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19/11/2021

Revista Galileu: Economia circular é urgente

A Revista Galileu destacou a importância da implementação da economia circular em uma matéria muito bacana sobre o modelo. Confira:

Economia circular é tão urgente quanto transição energética, diz relatório

Dados da Fundação Ellen McArthur apontam o potencial do modelo econômico regenerativo para combater mudanças climáticas em diferentes setores; entenda

Em meio ao esforço mundial para refrear o avanço das mudanças climáticas, o termo “economia circular” tem ganhado destaque. Se as estratégias desse modelo sustentável fossem incorporadas às cadeias produtivas que envolvem cimento, aço, plástico e alumínio, as emissões globais de gases de efeito estufa provenientes desses quatro materiais poderiam ser reduzidas em 40% até 2050. Na produção de alimentos, a queda de emissões até a metade do século 21 em comparação com o cenário atual seria ainda maior: de 49%.

As estimativas integram um novo compilado de dados da Fundação Ellen MacArthur, "Conectando os pontos: um guia sobre economia circular e mudanças climáticas". As projeções serão apresentadas pela instituição britânica na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP-26), a ser realizada em novembro deste ano, quando representantes dos países-membros da ONU se reunirão para estabelecer novas metas capazes de desacelerar a emergência climática.

A organização não-governamental, que trabalha junto a empresas, formuladores de políticas e acadêmicos para expandir o conceito de economia circular, considera que a transição energética para matrizes renováveis é "urgente e necessária" no combate ao aquecimento global. Mas sugere que tão importante quanto é considerar também estratégias para transformar o modelo de negócios que rege a maioria dos bens de consumo e cultivo de alimentos mundo afora. Trata-se do modelo de negócios oposto ao circular: é a chamada economia linear.

Predominante desde a Revolução Industrial, essa abordagem é fundamentada em uma cadeia que consiste em extrair matéria-prima, fabricar produtos, incentivar sua comercialização e descartá-los ao fim de sua vida útil. Petróleo, madeira e minério, por exemplo, são extraídos e transformados nos bens que utilizamos diariamente, desde garrafas de plástico a smartphones. O final dessa linha é o descarte e, então, a via de mão única se repete ininterruptamente.

O sistema vem sendo cada vez mais questionado, seja pelo impacto ambiental causado pela extração acelerada de recursos finitos e de seu futuro descarte, seja porque emite gases de efeito estufa no processo. E a quantidade dessas emissões é significativa: de acordo com a fundação, 45% das emissões globais derivam da forma com a qual produzimos materiais, bens e produtos — incluindo edifícios, veículos, eletrônicos, roupas, alimentos, embalagens e outros — e do gerenciamento de terras para agricultura.

Ainda segundo dados da organização, a indústria de alimentos sozinha é responsável por um terço das emissões globais de gases do efeito estufa. A produção tradicional de carne bovina, por exemplo, gera grandes quantidades de metano, um subproduto da digestão do gado. A proporção elevada de emissões nesse setor também está associada ao uso de energia não-renovável ao longo de cadeias logísticas, como processamento, transporte e refrigeração, além do alto desperdício de alimentos.

“As mudanças climáticas, poluição e crise de biodiversidade que estamos observando hoje têm relação direta com um sistema global de economia linear", avalia Luísa Santiago, diretora executiva da Fundação Ellen MacArthur para a América Latina. "É preciso olhar para além de uma transição energética e reconhecer também a necessidade de uma transição do nosso modelo de produção. Essa é a visão que iremos levar para a COP-26".

Um modelo alternativo

A economia circular surge como uma alternativa ao modelo linear. Nesse sistema, a proposta é que cada uma das etapas de um produto seja planejada a fim de reduzir ao máximo o uso de materiais virgens e a emissão de gases de efeito estufa, sem que para isso seja necessário minimizar os lucros. A fim de criar um "círculo" de produção e consumo, as estratégias empregadas para alcançar tal objetivo envolvem eliminar resíduos e poluição desde o princípio, manter produtos e materiais em uso, e regenerar sistemas naturais.

Na indústria, modelos de negócios baseados em serviço, como aluguel, compartilhamento e pagamento por uso são apontados pela fundação britânica como medidas que podem aumentar a intensidade de uso de produtos e ativos, a exemplo de edifícios e veículos. Como resultado, estima-se que seria possível reduzir significativamente a demanda por aço virgem, alumínio, cimento e plástico; além de diminuir as emissões associadas à produção desses itens.

A reciclagem dos materiais utilizados para produzi-los é apontada como outra estratégia. Segundo estimativa da Fundação Ellen MacArthur, uma abordagem de economia circular poderia reduzir as emissões globais de CO2 provenientes desses materiais industriais em 3,7 bilhões de toneladas por ano até 2050.

Em relação ao plástico, estratégias como eliminação de resíduos, reuso e reciclagem poderiam reduzir em 25% as emissões associadas à produção, ao uso e ao fim da vida desses materiais. O modelo também é visto como uma proposta rentável. Até 2040, em comparação ao cenário atual, estima-se que o sistema poderia gerar uma economia de US$ 200 bilhões por ano e criar 700 mil empregos líquidos adicionais.

Já no sistema de alimentos, aplicar práticas de agricultura regenerativa e eliminar resíduos ao longo de toda a cadeia de suprimentos são alguns dos métodos capazes de sequestrar carbono do solo e evitar emissões relacionadas a alimentos não consumidos. Exemplos dessas práticas são a rotação de culturas em uma mesma terra e a reutilização de resíduos das colheitas como adubo natural — já que a maioria desses restos acabam em lixões ou aterros sanitários, liberando metano durante a decomposição.

Estima-se que a implementação de um modelo de negócios linear na indústria de alimentos seria capaz de reduzir as emissões em 5,6 bilhões de toneladas de CO2 por ano até 2050. Os benefícios econômicos da implementação de todas as estratégias circulares descritas no estudo para o setor são estimados em US$ 700 bilhões por ano até a metade do século 21.

Pandemia e cenário brasileiro

A pandemia de Covid-19 acelerou o senso de urgência de uma transição econômica sustentável. Para a diretora executiva da Fundação Ellen MacArthur para a América Latina, um dos exemplos que demonstram esse movimento é a recém-lançada coalizão de economia circular para América Latina e Caribe.

A iniciativa, lançada em fevereiro de 2021, é avaliada por Santiago como "um marco regional" que sinaliza para o crescimento de um modelo já em expansão em países como Chile, Equador, Colômbia e Costa Rica.

No Brasil, várias empresas já adotam parcialmente ou integralmente os conceitos da economia circular. O país também é uma das 70 nações à frente de uma iniciativa para definir normas internacionais sobre o tema, que estão sendo discutidas no âmbito da Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês).

De acordo com Santiago, nos últimos cinco anos a economia circular passou a ter presença mais significativa na agenda de empresas e startups nacionais, sobretudo em governos municipais e na academia. A ausência de políticas públicas federais, no entanto, é vista como um impeditivo para que estratégias regenerativas se expandam para além de algumas cidades, como Curitiba e São Paulo — esta última é considerada referência no país, com mecanismos em vigor como eliminação e reuso de plásticos e circularidade de cadeias alimentícias.

Para que essa transição se torne nacional, a organização não-governamental que trabalha para promover a economia circular considera que o compromisso precisa ser encarado por entidades, indústrias, sociedade civil, organizações civis e governos.

"A falta de um projeto de economia que regenera a natureza é um grande gargalo no Brasil em comparação com outros na região da América Latina", avalia a especialista em práticas sustentáveis. "Porque iniciativas isoladas são melhorias no sistema linear, mas elas precisam se congregar. A transição para a economia circular não é uma mudança pontual. É uma mudança sistêmica".

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