31/10/2023
Alumínio e Economia Circular: sucessos e desafios
Por Arlene Carvalho, do Movimento Circular
Você já se perguntou de onde vêm e para onde vão as latas de alumínio que você descarta? Isso mesmo, aquelas latinhas de refrigerante, cerveja, chá e até de água - que consumimos em nosso dia a dia? No cenário global, essas latinhas desempenham um papel significativo na indústria do alumínio, sendo responsáveis por uma parcela substancial das vendas desse metal. No Brasil, por exemplo, um quarto de todo o alumínio vendido no país é representado por elas, totalizando cerca de 400 bilhões de unidades. Os dados são da Associação Brasileira de Produtores de Lata de Alumínio para Bebidas (Abralatas) e revelam que, em média, cada brasileiro utilizou 153 latas no ano passado.
Agora, retornando a pergunta inicial, a resposta é clara: a grande maioria é reciclada. O Brasil alcançou um feito notável em 2022, tornando-se o único país do mundo a reciclar praticamente 100% das latas de alumínio para bebidas. Esse marco está alinhado com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e é uma oportunidade para aproximadamente 800 mil famílias de catadores no país - ainda segundo a Abralatas.
O índice de reciclagem bem-sucedido no Brasil é um exemplo inspirador para o mundo, destacando a importância da colaboração entre diversos setores, como a indústria, o governo, os consumidores e as cooperativas de catadores.
O ciclo de vida da lata de alumínio é de cerca de 60 dias, o que facilita sua reciclagem. Imagem: Pixabay
Em uma perspectiva global, países como o Japão, com um índice de 92,6%, e a Argentina, com 91,1%, também se destacam na reciclagem de latas de alumínio. No contexto mundial, a Europa mantém uma média respeitável de 66,7% de reciclagem de latas, e os Estados Unidos estão próximos, com 65,1%, conforme dados compilados por associações locais e divulgados pela Associação Brasileira do Alumínio (Abal). É interessante observar que a** Itália, segundo o Consórcio Nacional de Contentores de Alumínio (CIAL), atingiu um índice de aproximadamente 92%** de reciclagem das latas de alumínio em 2022.
O alumínio é obtido a partir da bauxita - um minério extraído, no Brasil, principalmente em reservas no Norte e Sudeste. Toda essa mobilização mundial colabora para conservar as reservas de bauxita, reduzir impactos socioambientais e reduzir o consumo de energia.
Possibilidades do Alumínio
Vamos começar com um pequeno exercício, tudo bem? Olhe à sua volta e conte quantos objetos são feitos de alumínio ou que você sabe que contêm este metal em sua composição. Vamos excluir as latinhas de alumínio, certo? Já parou para pensar nisso?
O alumínio é parte integrante de muitos produtos - desde embalagens de remédios e tampas de iogurte até aerossóis, produtos de beleza, eletrônicos, e inclusive em revestimentos e componentes de motores de veículos, aeronaves e eletrodomésticos. Então por que quando falamos nele, só citamos as latinhas como este grande exemplo de sucesso?
O alumínio está em diversos itens do nosso cotidiano, até nos nossos celulares. Imagem: Pixabay
A diretora de comunicação e relações governamentais da Novelis América do Sul (empresa líder mundial em laminados e reciclagem de alumínio), Eunice Lima, explica que os fatores são muitos, mas alguns se destacam mais que outros. “Desde sua criação, a latinha de alumínio foi pensada para circular, para ser reciclada. Além disso, desde que é coletada, reciclada e colocada novamente no mercado, a latinha acumula um ciclo de vida de cerca de 60 dias. É um tempo pequeno se compararmos com o alumínio que está numa porta, por exemplo. Este, tem uma vida útil de cerca de 50 anos ou mais”, explica.
A versatilidade do alumínio é notável, e sua vida útil pode variar significativamente de acordo com sua aplicação, graças às suas características excepcionais. Além de sua leveza e textura macia, o alumínio também é notavelmente resistente. Com uma excelente condutividade elétrica e uma grande resistência à corrosão, o alumínio encontra uma ampla gama de aplicações que vão muito além das mencionadas anteriormente.
Veículos também contém alumínio, assim como panelas, e até embalagens diversas. Imagem: Pixabay
“É um material nobre, de alto valor agregado e que não oxida. Quando reciclado, o alumínio reduz em 95% o consumo de energia elétrica e as emissões de gases do efeito estufa. A Europa e a Argentina também possuem altos índices de reciclagem do material, mas existem lugares em que isso ainda está sendo trabalhado, como os Estados Unidos e o Chile”, pondera Lima. “Quando a gente produz algo já pensando no que será feito ao fim da vida daquilo, nós colaboramos com toda uma cadeia que vive e lucra com isso”, continua.
A Economia Circular, baseada na premissa de considerar todo o ciclo de vida de um material, é fundamental nesse contexto. Ela abrange desde a fase projeto, o chamado “design para reciclabilidade”, de produção até o descarte, assegurando que nenhum resíduo seja simplesmente gerado ou descartado sem consideração.
A reciclagem é imensamente importante para a circularidade de qualquer material, inclusive do alumínio, mas é apenas UMA das etapas. Imagem: Reprodução/Movimento Circular
Outra questão levada em conta é que quando falamos de reciclagem é importante reconhecer a diferença entre produtos que são monomateriais e os que são compostos por múltiplos materiais. “Enquanto a reciclagem de materiais mistos pode ser mais desafiadora e custosa, a reciclagem de alumínio puro é altamente eficiente e benéfica tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. A reciclagem é viável porque também existe quem compra. E as latinhas são o nosso maior exemplo atualmente”, relata a diretora da Novelis.
As latinhas são feitas exclusivamente de alumínio, algo que facilita o processo de reciclagem. Imagem: Pixabay
A coleta de alumínio conta com uma ampla rede de catadores que desempenham um papel essencial nesse processo. Segundo a Abralatas, aproximadamente 800 mil famílias obtêm renda por meio da reciclagem, destacando o impacto positivo desse setor na economia. Além disso, empresas como a Novelis possuem centros de coleta próprios e colaboram com parceiros na compra de materiais recicláveis. Como ressalta Lima, "essa rede de circularidade é vital para manter o fluxo de materiais reciclados em todo o mundo."
No entanto, é fundamental destacar que muitos catadores atuam ainda informalmente, vivendo em condições muito difíceis. Isso realça a necessidade urgente de reconhecer, valorizar e regularizar cada vez mais a profissão de catador, uma responsabilidade compartilhada pelas sociedades, indústrias e governos.
Dependendo do produto em que é utilizado, o alumínio pode durar 50 anos ou mais. Imagem: Pixabay
Lei de Incentivo à Reciclagem do Brasil
Ainda de acordo com a porta-voz da Novelis, a empresa também conta com o projeto Liga da Reciclagem - que tem, entre seus objetivos, fortalecer o papel das cooperativas como empreendimentos sustentáveis, além de valorizar os cooperados como agentes ambientais e de transformação. “Vamos continuar investindo na conscientização, profissionalização e reconhecimento das cooperativas e cooperados. Nós compramos de parceiros e eles são valiosíssimos”, finaliza.
Em webinar realizado em junho deste ano pelo Movimento Circular, o Secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Adalberto Maluf, anunciou ações promissoras. Entre elas, o lançamento do primeiro edital do ProRecicle, em setembro de 2023, que permitirá a inscrição de projetos de reciclagem para receber patrocínio da iniciativa privada. Além disso, Maluf informou que está em andamento a regulamentação da Lei de Pagamento por Serviços Ambientais, que garantirá aos catadores e cooperativas remuneração com base nos serviços prestados, não mais na quantidade de resíduos reciclados.
Ismaela Silva, do Movimento Circular, e o Secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Adalberto Maluf, em webinar realizado em junho de 2023. Imagem: Reprodução/Movimento Circular
Por e-mail, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) esclareceu que, em relação ao ProRecicle, a Comissão de Acompanhamento prevista na Lei nº 14.260 foi instalada, mas identificou-se a necessidade de um decreto presidencial para regulamentar a legislação, indicando que o edital ainda não foi lançado e não há previsão.
Sobre a Lei de Pagamento por Serviços Ambientais, o MMA está elaborando um decreto regulamentador, prevendo a inclusão dos catadores entre os beneficiados. Além disso, o Projeto de Lei nº 2.524/22, em tramitação no Congresso, propõe alterações na legislação para incluir o pagamento por serviços ambientais, permitindo que catadores sejam remunerados tanto pela coleta e triagem quanto pela venda de material reciclado.
Em resumo, o Ministério acrescentou que a regulamentação e regularização dos catadores de recicláveis é uma prioridade para o Governo Federal, que em 13 de fevereiro deste ano, emitiu dois decretos sobre o tema. O Decreto nº 11.413 garantiu a priorização dos catadores para acesso a créditos de logística reversa e a manutenção de programas de investimento nas cooperativas. O Decreto nº 11.414 criou o Programa Diogo de Sant’Ana Pró-Catadoras e Pró-Catadores para a Reciclagem Popular, junto com o Comitê Interministerial para Inclusão Socioeconômica de Catadoras e Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis.
Por fim, o MMA destacou um aumento na alíquota de importação de resíduos para preservar o valor dos materiais comercializados pelas cooperativas. O Governo Federal está também trabalhando em uma proposta de desoneração tributária, incluindo PIS/PASEP e Contribuição de Seguridade Social, em favor das cooperativas de catadores.
O alumínio também é usado em revestimentos de construções. Imagem: Pixabay
A jornada do alumínio, desde as latas que usamos diariamente até os produtos mais sofisticados, é um exemplo notável de Economia Circular. A capacidade de reciclar o alumínio com eficiência, preservando os recursos naturais e reduzindo o impacto ambiental, é um sucesso que deve ser celebrado.
Contudo, não podemos esquecer o papel crucial desempenhado pelos catadores, muitos dos quais operam à margem da sociedade. Reconhecer, valorizar e regularizar a profissão de catador é essencial para sustentar e fortalecer essa rede de circularidade.
A colaboração entre diversos setores, incluindo indústria, governo e sociedade, é a chave para garantir que a jornada do alumínio na Economia Circular seja verdadeiramente sustentável e inclusiva.
O que é Economia Circular?
A Economia Circular propõe um novo olhar para nossa forma de produzir, consumir e descartar, a fim de otimizarmos os recursos do planeta e gerar cada vez menos resíduos. Ou seja, um modelo alternativo ao da Economia Linear - extrair, produzir, usar e descartar - que tem se provado cada vez mais insustentável ao longo da história.
Na Economia Circular, a meta é manter os materiais por mais tempo em circulação por meio do reaproveitamento, até que nada vire lixo! Para que esse modelo se torne uma realidade, todos nós temos um papel a desempenhar. É um verdadeiro círculo colaborativo, que alimenta a si mesmo, e ajuda a regenerar o planeta e nossas relações.
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