
10/03/2025
Epidemias e Economia Circular: como a gestão de resíduos pode auxiliar no combate a doenças?
No Brasil, as arboviroses – doenças virais transmitidas principalmente por mosquitos e carrapatos – costumam atingir níveis epidêmicos durante o verão. Entre as mais conhecidas estão a dengue, chikungunya e zika.
Arlene Carvalho, do Movimento Circular
Com a chegada do verão no Brasil, as temperaturas cada vez mais altas e as fortes chuvas não são as únicas a chamar atenção. Antes mesmo do fim deste primeiro trimestre, o país já enfrenta um aumento expressivo nos casos de arboviroses. O Ministério da Saúde do Brasil, registrou até 17 de fevereiro deste ano, 365.456 casos prováveis de dengue, além de milhares de ocorrências de chikungunya, zika e oropouche. Embora não seja uma novidade para os brasileiros, a situação continua impactando não só o sistema de saúde, mas também a economia e a vida das pessoas de maneira significativa.
Mas o que são as arboviroses? De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, são doenças virais transmitidas principalmente por artrópodes, como mosquitos e carrapatos. Os sintomas variam desde uma febre leve até complicações graves, podendo, em casos mais severos, levar à morte. Algumas das mais conhecidas são a dengue, chikungunya, zika, febre amarela e febre oropouche.
Os insetos transmissores, chamados de vetores, se tornam portadores dos vírus ao picar uma pessoa doente e, na sequência, passam o vírus para outras pessoas durante suas picadas, fechando o ciclo. Mas afinal, de que forma a Economia Circular entraria nessa pauta?
Imagem: Reprodução/Agência Brasil
Menos lixo, mais saúde
Entre as principais causas para a multiplicação exacerbada de insetos transmissores está o descarte inadequado de resíduos sólidos. Pneus velhos, garrafas plásticas, copos e potes de vidro, latas, caixas de leite, embalagens descartáveis e entulhos abandonados — entre muitos outros recipientes — acumulam água da chuva e se tornam criadouros do Aedes aegypti, por exemplo. Para o embaixador e coordenador do Movimento Circular, Prof. Dr. Edson Grandisoli, outros fatores também contribuem.
“Altas temperaturas, chuva abundante e resíduos mal destinados formam a combinação ideal para a proliferação de vetores de doenças. As epidemias de arboviroses surgem nesse cenário, prejudicando a vida de milhares de pessoas, afetando o sistema de saúde e a economia. Prevenir ainda é o melhor remédio”, explica.
Quando pensamos na Economia Circular, estamos diante de um modelo que visa, entre outras coisas, reduzir o desperdício e a necessidade de novas matérias-primas, promovendo a redução, reutilização e reciclagem de materiais. Mas, para isso, é fundamental que haja a destinação correta dos resíduos ao longo de toda a cadeia de produção e consumo.. De forma prática, portanto, a Economia Circular colabora com a saúde da população a partir de ações como:
- Reciclagem e reaproveitamento de pneus – Pneus descartados de forma incorreta são um dos principais criadouros do Aedes aegypti. Programas de coleta seletiva e reciclagem reduzem o descarte incorreto desse produto, e ainda possibilitam sua transformação em asfalto ecológico, pisos e até móveis.
- Gestão eficiente dos resíduos urbanos – A união de coleta seletiva e descarte correto reduz o número de criadouros de mosquitos. Além disso, projetos de logística reversa incentivam empresas a recolher embalagens e produtos pós-consumo.
- Educação ambiental – Comunidades que se responsabilizam pelos seus resíduos também ajudam a eliminar potenciais criadouros e promovem uma cultura de responsabilidade coletiva na gestão de resíduos.
- Saneamento básico – Redes de esgoto e fornecimento regular de água potável, em conjunto com gestão de resíduos, ajudam a reduzir a proliferação do Aedes aegypti. Sistemas de drenagem eficientes evitam o acúmulo de água, enquanto o manejo adequado dos resíduos elimina potenciais criadouros do mosquito.
O ponto é que essas e outras ações devem ser coordenadas, e envolver a todos os sujeitos sociais. A corresponsabilização é uma palavra-chave neste contexto. É o que explica Grandisoli.
“A gestão adequada de resíduos, em especial sua destinação correta, é fundamental para reduzir o número de criadouros dos vetores. Isso envolve não apenas garantir a estrutura mínima para retirada e destinação para reciclagem, por exemplo, mas também mudanças de comportamentos com relação ao descarte da própria população. Ou seja, para controlar epidemias, é sempre fundamental ações conjuntas e, nesse caso, que dialoguem diretamente com as ideias da Economia Circular.”
Iniciativas que já se destacam
Algumas iniciativas já demonstram como a Economia Circular pode ser uma aliada na luta contra as arboviroses. Cidades que implantaram a coleta seletiva e programas de reaproveitamento de materiais registraram uma redução significativa nos focos de multiplicação do mosquito. Além disso, projetos que utilizam resíduos recicláveis para a construção de mobiliário urbano e pavimentação contribuem para evitar a formação de criadouros. Confira alguns exemplos:
Curitiba (PR) – O programa Lixo que Não é Lixo incentiva a reciclagem e reduz a quantidade de resíduos descartados de forma irregular, evitando acúmulo de materiais que possam se tornar criadouros de mosquitos;
São Paulo (SP) – O Movimento Recicla Sampa é uma iniciativa das concessionárias de coleta de resíduos domiciliares e de saúde da capital paulista, com apoio institucional da Prefeitura de São Paulo. Por meio de uma plataforma de comunicação digital, buscam informar a população e ampliar o volume da coleta de lixo reciclável na cidade.
Imagem: Reprodução/Agência Brasil
Recife (PE) – O EcoRecife busca melhorar a gestão de resíduos na capital pernambucana por meio da coleta seletiva e das 10 EcoEstações espalhadas pela cidade, que recebem móveis velhos e restos de pequenas obras, evitando descartes irregulares; e funcionam de segunda a sábado, das 8h às 16h (exceto feriados), recebendo até 1m³ de resíduos por dia, com exceção de resíduos hospitalares, industriais e eletroeletrônicos.
Deste modo, a Economia Circular nos convida a refletir sobre como a prevenção das arboviroses exige uma abordagem integrada, e que reduzir o lixo é também reduzir o número de pessoas doentes. Investir em reciclagem, destinação correta de resíduos e educação ambiental pode salvar vidas e reduzir os custos associados a surtos epidêmicos.
Imagem: Reprodução/Agência Brasil
Vale lembrar
Além dessas medidas, é importante ressaltar outra ferramenta potente na prevenção de algumas arboviroses: a vacinação. A febre amarela, por exemplo, pode ser evitada com uma única dose da vacina, disponível gratuitamente nos postos de saúde de todo o Brasil. Desde 2017, essa única dose já é suficiente para proteção ao longo da vida.
A dengue também possui uma vacina que é oferecida pelo Sistema Único de Saúde para adolescentes de 10 a 14 anos em duas doses. No entanto, a adesão ainda é baixa: em 2024, o Ministério da Saúde distribuiu 6,5 milhões de doses, mas apenas 3,3 milhões foram aplicadas, e muitos adolescentes não completaram o esquema vacinal, comprometendo a imunização. Vacinar-se é um ato de proteção coletiva. Procure um posto de saúde da sua cidade e atualize sua imunização.