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11/10/2024

Economia Circular: por que reciclamos pouco?

A reciclagem é o R mais conhecido e falado na Economia Circular. Confira o artigo da embaixadora do Movimento Circular, Isabela Bonatto, sobre os desafios e oportunidades desse processo no Brasil.

*Por Isabela Bonatto, embaixadora do Movimento Circular

Dizer que a reciclagem é difícil não é agradável. Devemos evitar o uso da palavra "difícil" quando se trata de soluções que favorecem a Economia Circular e a proteção do meio ambiente. Por outro lado, quando algo não está funcionando como esperado, é comum identificar as dificuldades e reconhecer que o processo pode não ser fácil, a fim de encontrar soluções. A reciclagem vive esse paradoxo. Deste modo, devemos falar a verdade ao mundo? Mostrar as baixas porcentagens de reaproveitamento de materiais? Ou simplesmente incentivar e dizer que estamos no caminho certo?

Dados são essenciais para debater cenários e buscar melhorias, mas não para desmerecer o processo. Não há como negar que a reciclagem é um elo fundamental da Economia Circular. Através dela, recuperamos matéria-prima, geramos novos insumos, reduzimos a extração de recursos virgens e minimizamos os impactos ambientais, além de contribuir para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa. A reciclagem deve, sim, ser incentivada, valorizada e considerada uma peça-chave na gestão sustentável de resíduos - já que permanece sendo essencial para a circularidade.

No entanto, há vários desafios para aumentar a porcentagem de materiais reciclados no Brasil - e no mundo. E mesmo que não seja o primeiro item na hierarquia de gestão de resíduos, é imprescindível reconhecer seus benefícios. Precisamos também entender os gargalos em determinados segmentos ou materiais, pois quando apresentamos números negativos sem a devida explicação, corremos o risco de criar um falso diagnóstico que impede uma discussão mais séria entre poder público e sociedade.

Por isso, vamos olhar para os dados atuais, que, embora não tão motivadores, nos ajudam a entender melhor por que a reciclagem ainda não é um completo sucesso, e assim buscar as soluções adequadas.
 

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Imagem: Reprodução/Freepik


Números da reciclagem

No Brasil, embora não haja um consenso oficial entre as diferentes fontes de pesquisa, estima-se que apenas 4% a 9% dos materiais descartados sejam reciclados. Infelizmente, América Latina e África são as regiões que menos reciclam no mundo, com taxas em torno de 4%, enquanto a média global é de 13,5%. A maior parte dos resíduos segue indo para um "fora" que não existe. Curiosamente, países com níveis de desenvolvimento e renda similares aos do Brasil, como Chile, Argentina, África do Sul e Turquia, apresentam taxas de reciclagem na faixa de 16%. Então, onde estamos falhando?

Em comparação com países desenvolvidos, a distância é ainda maior. Na Alemanha, por exemplo, a reciclagem atinge quase 70%, sendo o maior reciclador da União Europeia, com uma taxa estimada de 69,1% em 2022. Na UE, oito países reciclam mais de 50% de seus resíduos municipais, enquanto outros, como Chipre, Romênia e Malta, registram taxas abaixo de 20%.
 

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Imagem: Reprodução/Freepik


O que impacta na reciclagem?

O Brasil tem grande potencial para aumentar seus índices de reciclagem, mas vários fatores contribuem para a estagnação. Entre eles:

  1. Questões estruturais e coleta seletiva adequada: Apesar de iniciativas existentes, menos de 20% da população brasileira tem acesso a uma coleta seletiva eficaz. Faltam planejamento e infraestrutura nas prefeituras para garantir que esses materiais retornem ao ciclo produtivo.
  2. Conscientização: Embora o debate sobre resíduos tenha crescido, ainda estamos longe do ideal. Poucas cidades abordam o tema com seriedade, e muitas pessoas nunca pararam para separar seus resíduos ou refletir sobre o lixo que geram. Falta investimento em educação, e muitos cidadãos sequer sabem que poderiam ou deveriam separar os resíduos.
  3. Políticas públicas e privadas: Há poucas ações voltadas para regulamentação, fiscalização, educação e parcerias relacionadas ao tratamento de resíduos sólidos.
  4. Incentivos e impostos: Por exemplo, empresas de coleta são pagas pelo peso de material entregue em aterros, o que desincentiva a separação prévia e, consequentemente, a coleta seletiva. Além disso, o sistema tributário do Brasil onera a reciclagem, ao contrário de outros países que subsidiam essa prática. O material reciclado é tributado mais pesadamente do que o material virgem, o que encarece o produto final.
  5. Custos da coleta seletiva: A coleta seletiva é pelo menos quatro vezes mais cara e depende de infraestrutura, investimento municipal e ação da população.
  6. Valorização dos catadores: No Brasil, 90% dos materiais reciclados são coletados por catadores, que somam mais de 1 milhão. Eles são mal remunerados, recebendo apenas pelo material vendido, o que os leva a focar em materiais de maior valor, enquanto outros, que poderiam ser reciclados, são deixados de lado.
  7. Desafios com embalagens e design: Muitos materiais são mal formulados ou desenhados de forma que dificultam sua reciclagem. A indústria de embalagens ainda não está em plena sintonia com a cadeia de reciclagem. Atualmente também observamos um movimento dos novos materiais 'verdes, ecológicos, sustentáveis, biodegradáveis', e etc. Mas a substituição de materiais não deve ser o foco, pois não irá solucionar os problemas da cadeia da reciclagem e suprimentos – pelo contrário – pode até piorar. Se a eficiência de cadeias antigas está comprometida, imagine novos materiais que nem possuem mercados estabelecidos.

Esses são apenas alguns dos obstáculos que comprometem o sucesso da reciclagem. Mas apesar dos desafios, a boa notícia é que existem soluções para cada um desses problemas. É necessário incentivar práticas que tornem a reciclagem mais competitiva em relação às matérias-primas virgens e promover mecanismos que valorizem as indústrias que consomem materiais reciclados.

A evolução da tecnologia também pode tornar os processos de coleta e triagem mais eficientes. Além disso, a crescente valorização da economia circular abre portas para novos negócios e inovações, trazendo uma nova perspectiva para a reciclagem.

Ainda com todas as dificuldades que a reciclagem ainda enfrenta, é fundamental reconhecer e valorizar o trabalho incansável de quem está na linha de frente, seja coletando, processando, estudando ou desenvolvendo novas soluções. Cada avanço, por menor que pareça, contribui para a construção de um sistema mais eficiente e sustentável. A transição para uma Economia Circular depende do esforço conjunto de governos, empresas, sociedade e indivíduos. É inspirador saber que há pessoas comprometidas em transformar essa realidade, e que, juntos, podemos superar os obstáculos e criar um futuro mais consciente, inovador e ambientalmente responsável.
 

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