30/06/2022
Fome no Brasil x desperdício e a economia circular 2
Entre 2020 e 2022, o total de brasileiros que passam fome subiu de 9% para 15,5% da população. São mais 14 milhões de pessoas que entraram em situação de insegurança alimentar grave e um problema sério que diz respeito à população inteira, principalmente porque 17% dos alimentos disponíveis aos consumidores vão parar no lixo e cerca de 14% dos alimentos produzidos são perdidos entre a colheita e o varejo todos os anos no mundo, segundo dados da ONU. Para analisar a relação entre o desperdício e a fome no Brasil, assim como a importância da economia circular para o melhor aproveitamento dos alimentos, convidamos o Professor Dr. Edson Grandisoli, Coordenador Pedagógico e Embaixador Educacional do Movimento Circular, que escreveu o seguinte artigo. Confira:
O mapa da fome e a circularidade
Professor Dr. Edson Grandisoli, Coordenador Pedagógico do Movimento Circular
O que vamos comer hoje?
De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), 33,1 milhões de pessoas não conseguem responder a essa questão. O número de pessoas que passam fome no Brasil é quase o dobro do registrado em 2020. A pesquisa mostra ainda que somente 4 entre 10 famílias conseguem acesso pleno à alimentação e que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau.
As causas desse quadro disseminado de insegurança alimentar estão relacionadas ao desmonte de políticas públicas, a crise econômica, a pandemia e a crescente desigualdade social, segundo o Penssan. Apesar de ser um dos maiores produtores rurais do mundo, o Brasil está cada vez mais distante de resolver a questão da disponibilidade de alimentos de qualidade para todos.
Fonte: 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.
Para além das causas citadas pelo Penssan, há ainda outros fatores que merecem atenção quando analisamos mais detalhadamente a cadeia de produção, distribuição, consumo e descarte de alimentos.
A ONU estimou, para o ano de 2021, que 17% dos alimentos disponíveis aos consumidores nos mercados, residências e restaurantes vão parar no lixo, e que 60% desse lixo orgânico é gerado em casa. O desperdício alimentar no nível do consumidor é realmente um problema global, significativo em quase todos os países. Além disso, cerca de 14% dos alimentos produzidos são perdidos entre a colheita e o varejo a cada ano. Impossível não se indignar com a contradição entre produção, perda, desperdício e fome.
Pensando na produção de alimentos pela ótica da Economia Circular, muitos pontos podem ser repensados, a fim de garantir que os alimentos cheguem a todas as pessoas.
Reduzir as perdas na colheita e transporte está entre as principais medidas a serem adotadas, ou seja, criar mecanismos para otimizar a produção e reduzir a distância entre onde se produz e quem consome pode diminuir de forma significativas as perdas, além de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, uma vez que a maior parte do transporte é realizada por caminhões movidos a derivados de petróleo.
Nos mercados, de forma geral, os consumidores buscam alimentos esteticamente atraentes, ou seja, sem manchas, marcas, amassados ou perfurações. Esse comportamento estimula o varejista a descartar alimentos "feios", mas que possuem o mesmo valor nutricional dos demais. Uma estratégia para reduzir esse desperdício é vender esses alimentos mais baratos, por exemplo, ou doá-los a quem precisa. Note que o consumidor tem papel decisivo para estimular essa prática.
Em casa, o aproveitamento integral dos alimentos é possível e fundamental. Cerca de 50% em peso do lixo doméstico é composto por orgânicos. Além disso, realizar a compostagem do que realmente precisa ser descartado reduz o volume de lixo diário e as emissões de gases de efeito estufa. As perdas e desperdícios são responsáveis por até 10% das emissões desses gases.
Viabilizar doações dos excedentes de restaurantes e mercados também é uma ótima forma de garantir comida e saúde para todos.
Alimentação é a base da vida e a circularidade da economia colabora para a segurança alimentar das populações.
Imagine se você não tivesse o que comer na sua próxima refeição.
Artigo assinado pelo Professor Dr. Edson Grandisoli, Coordenador Pedagógico e Embaixador Educacional do Movimento Circular. Pós-doutor pelo Programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP) e Doutor em Educação para a Sustentabilidade pelo Programa de Ciência Ambiental da USP (PROCAM-USP).
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