https://storage.googleapis.com/movimento_circular/strapi-v4/Whats_App_Image_2025_02_28_at_13_16_58_2_724d18fe0c/Whats_App_Image_2025_02_28_at_13_16_58_2_724d18fe0c.jpg

06/03/2025

O círculo do empoderamento: mulheres, ancestralidade, sustentabilidade, Economia Circular e a luta contra a pobreza menstrual

Por Dra. Isabela da Cruz Bonatto*

Uma das características mais marcantes das mulheres, o ciclo menstrual e o poder de dar vida, também pode ser um dos temas mais cercados por tabus, estigmas sociais e significativos desafios econômicos, ambientais, mentais e de saúde. Pode parecer exagero, mas, infelizmente, a dignidade - ou a falta dela - com que os períodos menstruais são gerenciados impacta diretamente a vida de milhões de meninas e mulheres em todo o mundo.

Esse assunto está ganhando atenção global, mas é na África que encontramos algumas das estatísticas e realidades mais alarmantes. Um estudo da UNICEF mostrou que, em algumas partes da África, 50% das meninas não têm acesso a produtos menstruais, sendo forçadas a usar alternativas inseguras, como panos velhos, jornais, folhas, pedaços de colchões ou até areia. No Zimbábue rural, as meninas chegam a usar esterco de vaca como proteção menstrual devido ao alto custo dos produtos de higiene feminina. Em outros casos, eu mesma testemunhei meninas usando migalhas de pão - uma realidade chocante que mostra a profundidade dessa crise.

As causas da pobreza menstrual são muitas. Os produtos menstruais são frequentemente caros, de baixa qualidade ou feitos com plásticos que causam alergias. Para muitas famílias que vivem na pobreza, esses produtos são considerados um luxo e, em algumas comunidades, simplesmente não estão disponíveis. Assim, todos os meses, milhões de mulheres e meninas enfrentam o desafio silencioso, mas constante, de gerenciar sua saúde menstrual com dignidade.
O que muitas de nós consideramos básico - a capacidade de escolher como e com o que gerenciar nossa menstruação - é um sonho distante para muitas outras. Além da falta de acesso a produtos acessíveis, o estigma cultural e os danos ambientais causados pelos produtos descartáveis agravam ainda mais o problema.

Na África, os desafios são duplos. Os absorventes descartáveis não só contribuem para a degradação ambiental, mas também estão financeiramente fora do alcance de muitas pessoas. Em áreas rurais, um pacote de absorventes pode custar o equivalente a um dia de trabalho, forçando as famílias a escolher entre produtos menstruais e itens essenciais, como comida ou remédios. Como resultado, muitas meninas recorrem a alternativas perigosas, colocando sua saúde em risco. Outras simplesmente ficam em casa durante o período, perdendo dias de escola e ficando para trás nos estudos, enfrentando vergonha e isolamento. Em casos extremos, a pobreza menstrual leva à prostituição, depressão e até ao suicídio.

WhatsApp Image 2025-02-28 at 13.16.25.jpeg

Foto: Isabela Bonatto

Em muitas cidades africanas, a falta de saneamento básico e de sistemas de gestão de resíduos piora a situação. Absorventes descartáveis são frequentemente jogados em terrenos abertos ou queimados, liberando gases tóxicos devido aos plásticos de baixa qualidade de que são feitos. Globalmente, bilhões de absorventes são descartados todos os anos, e muitos acabam em lixões ou poluindo rios e mares.

O impacto ambiental e econômico dos absorventes descartáveis é um alerta urgente para a necessidade de soluções sustentáveis e acessíveis. Mas, para resolver esse problema de verdade, que tal olharmos além das conveniências modernas e buscarmos inspiração no passado?

E se a solução para essa crise estiver na ancestralidade? Práticas antigas, baseadas na sustentabilidade e na comunidade, oferecem um modelo para enfrentar tanto a pobreza menstrual quanto o impacto ambiental dos produtos descartáveis. Antes da invenção dos absorventes descartáveis, as mulheres usavam materiais naturais, como panos, musgo ou fibras de bananeira, para gerenciar seus ciclos. Esses métodos, embora simples, eram naturalmente sustentáveis e não geravam lixo.

WhatsApp Image 2025-02-28 at 13.16.55 (1).jpeg
Foto: Isabela Bonatto

Hoje, os produtos menstruais reutilizáveis modernos, como absorventes de pano, copos menstruais e calcinhas absorventes, resgatam esse legado, combinando sabedoria tradicional com tecnologia atual. Essas inovações não só são ecológicas, mas também economicamente viáveis. Um único absorvente reutilizável, por exemplo, pode durar até cinco anos, economizando o custo recorrente dos descartáveis. Já os copos menstruais, feitos de silicone médico, podem durar até dez anos - um investimento único com benefícios para a vida toda.

Para as comunidades africanas, os absorventes reutilizáveis têm sido a melhor solução. Com financiamento e apoio adequados, projetos podem distribuir esses produtos gratuitamente em regiões mais afetadas pela pobreza menstrual, ao mesmo tempo que promovem educação menstrual e combatem tabus relacionados à menstruação.

Os absorventes reutilizáveis podem mudar tudo. Organizações estão liderando essa mudança, produzindo absorventes reutilizáveis acessíveis e de alta qualidade e criando empregos para mulheres locais. Essas iniciativas não só oferecem soluções sustentáveis, mas também empoderam as mulheres economicamente, transformando-as em agentes de mudança em suas comunidades.

WhatsApp Image 2025-02-28 at 13.16.55 (2).jpeg

Foto: Isabela Bonatto

Quebrando estigmas, empoderando mulheres e construindo um futuro melhor

Os benefícios dos produtos menstruais reutilizáveis vão além da economia e do meio ambiente. Eles também desafiam o estigma em torno da menstruação. Ao normalizar conversas sobre o período e promover alternativas sustentáveis, as mulheres estão retomando sua autonomia e transformando narrativas culturais. Com isso, elas não só estão enfrentando a pobreza menstrual, mas também estão abrindo caminho para um futuro mais justo e sustentável.

A Economia Circular se encaixa perfeitamente nesses esforços, priorizando a reutilização, a reciclagem e a regeneração de recursos. Ao adotar esse modelo e resgatar o conhecimento ancestral, podemos criar um mundo onde nenhuma menina precise escolher entre sua educação, saúde e dignidade.

Dias vermelhos, soluções inteligentes!

Juntas, nós podemos fazer isso!

*Dra. Isabela da Cruz Bonatto é embaixadora do Movimento Circular, doutora e mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina, com MBA em Gestão Ambiental. Atua como consultora socioambiental, focando na gestão de resíduos sólidos, promoção da Economia Circular e sustentabilidade corporativa. Residente no Quênia desde 2021, é membro diretivo da Fundação Together for Better e trabalha diretamente com ONGs para combater a pobreza menstrual e desenvolver soluções sustentáveis para a gestão de resíduos.

Gostou? Compartilhe!
Muti completo
Fale conosco
Movimento Circular logo

Contato

contato@movimentocircular.io

Assine a newsletter

Movimento Circular

Somos o Movimento que envolve cada vez mais pessoas em um mundo cada vez mais Circular. Associe-se

As ações, opiniões e condutas dos parceiros do Movimento Circular não refletem, necessariamente, os valores da iniciativa.

Usamos cookies

São usados para melhorar sua experiência. Ao fechar este banner ou continuar na página, você concorda com o uso de cookies. Veja a política de cookies