09/02/2023
Biogás e Biometano: a relação entre o saneamento brasileiro e a obtenção de energia
Por Julliana de Melo, especial para o Movimento Circular
Quando falamos em ambiente, as toneladas de resíduos que produzimos diariamente no mundo aparecem logo como vilões, uma vez que parte deles são descartados sem nenhum cuidado na natureza. Mas os materiais orgânicos encontrados na rede de saneamento básico e os aterros sanitários já são vistos hoje como importantes alternativas para a obtenção de energia mais limpa. Estamos falando agora do biogás e do seu derivado mais refinado, o biometano.
Estas fontes alternativas têm, ao mesmo tempo, o potencial de suprir parte da demanda energética em substituição aos combustíveis de origem fóssil e promover a gestão mais adequada dos resíduos orgânicos em aterros sanitários e centrais de tratamento de esgoto, diminuindo a emissão de gases do efeito estufa para a atmosfera e se unindo a outras frentes de combate à crise climática global. Tema urgente da atualidade.
Segundo o professor e pesquisador Edson Grandisoli, coordenador pedagógico do Movimento Circular, a produção de biogás e biometano no saneamento dialoga com alguns preceitos fundamentais da economia circular, que é descarbonizar a economia e buscar novos caminhos para reaproveitar ao máximo os resíduos. “O que seria lixo ou esgoto vai servir para obter energia. E já que a gente reaproveita, deixa de produzir resíduos no final dessa cadeia.”
“Segmentos promissores do biogás”
Em Franca, São Paulo, está em funcionamento, desde 2018, a única planta que purifica biogás de esgoto sanitário para a produção de biometano do Brasil. O sistema de beneficiamento de biogás é realizado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp, a partir da digestão por bactérias do lodo produzido no tratamento do esgoto.
“Ao produzir biometano, damos um uso final interessante ao metano, que iria sair do tratamento de esgoto de qualquer jeito. Quando jogado direto na atmosfera, tem grande impacto nas mudanças do clima, o que reduz em 21 vezes quando é queimado nos carros como biocombustível”, ressalta Cristina Zuffo, superintendente de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da Sabesp.
A Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Franca trata atualmente 530 litros/segundo de esgoto e produz em torno de 3.000 m³/dia de biogás. A experiência, premiada internacionalmente, alimenta com biometano toda a frota de veículos da estação. Uma média de 180 abastecimentos por mês, em 40 veículos adaptados no padrão GNV. Este volume, apesar de ainda estar abaixo da capacidade de produção, já representa uma economia de R$ 446 mil com a redução do consumo de etanol pela empresa, que é responsável por cerca de 30% do investimento em saneamento básico feito no País.
Segundo Cristina Zuffo, o biogás é apenas uma das aplicações possíveis dos resíduos nas ETEs dentro do conceito de economia circular adotado na Sabesp, que ainda estuda uma forma de impedir que toneladas de lodo vão parar nos aterros sanitários. “É preciso ter uma visão sistêmica da planta e pensar em soluções para fazê-la rodar com o mínimo de recurso e de resíduo possível, evitando qualquer tipo de desperdício. E nem sempre essas soluções são replicáveis para todas as estações.”
O próprio biogás pode ter diferentes utilidades, seja como fonte de energia elétrica, energia térmica, biometano ou biofertilizantes. “E cada uso final do biogás exige um grau de purificação diferente. Se for usar só para queimar em caldeira, por exemplo, eu reduzo a umidade para obter um valor energético maior. Agora, se eu for usar para injetar na rede de gás, que vai para casa das pessoas, ou no carro, aí já é preciso uma purificação grande”, explica Zuffo.
Biogás e Biometano
O mercado de biogás proveniente do saneamento básico já existe e é promissor no Brasil, ainda que esbarre numa rede não universalizada e deficitária, além de poucos incentivos públicos e regulação ineficiente para o desenvolvimento mais acelerado do setor. “A prioridade das empresas de saneamento ainda é o de garantir água e esgoto. Então, precisa primeiro universalizar a água, captar o esgoto e levar para as estações de tratamento, ter essa infraestrutura básica, para só depois conseguir captar o biogás”, pontua Zuffo.
Se o potencial é grande, o desafio é maior ainda. Hoje, cerca de 50% do volume de esgoto do Brasil não recebe tratamento adequado, o equivalente a mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura sendo despejadas na natureza por dia, segundo dados do Instituto Trata Brasil. Quando falamos em resíduos, o cenário não é muito diferente. Das 81,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos geradas anualmente no País, somente 50 milhões de toneladas são tratadas corretamente em aterros sanitários.
Ecoparque da Orizon, na cidade de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro — Foto: Divulgação
Presente em nove estados do País, a Orizon Valorização de Resíduos (ORVR3) é responsável pela gestão de 10 milhões de toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) por ano. Ao todo, dos 14 ecoparques, cinco produzem biogás, gerado naturalmente a partir da decomposição do lixo, e um já comercializa biometano. “A gente poderia ter ficado parado, enterrando o lixo para as próximas gerações, mas vimos que daria para fazer algo a mais e transformar esses resíduos em uma grande oportunidade de negócio”, afirma o diretor de engenharia e implantação da Orizon, Jorge Rogério Elias.
Ele explica que todo aterro sanitário tem um princípio lógico de estabilidade física que permite a extração do biogás. À medida que vai subindo o aterro em diversas camadas, é possível extrair e tratar o chorume, extrair e tratar o biogás. “Só que ao invés desse biogás ser só queimado para ter baixo impacto no meio ambiente, transformando metano em CO2, a gente pode pegar ele e obter energia elétrica e fazer algo útil para a sociedade.”
Flares de captação de biogás em Paulínia, interior de São Paulo — Foto: Divulgação
Para aproveitar de maneira integral este potencial energético, a companhia tem investido pesado em pesquisas, inteligência e capacitações desde 2013 e, recentemente, criou a BioE, uma empresa que vai assumir todas as etapas da cadeia produtiva, responsável pela compra e processamento do biogás nos ecoparques para transformação em energia renovável e biometano. O ativo hoje é de 100 megawatts instalados. Essa energia, de acordo com Jorge Elias, é gerada próxima ao centro de consumo de maneira regular. Não depende do Sol, de vento, de chuva; e, além de previsibilidade, ainda reduz os níveis de perda do sistema elétrico.
O biogás não é a fonte milagrosa que vai resolver a questão energética no mundo. Fato. Mas, na onda de descarbonização global, ele tem um potencial relevante que não pode nem deve ser desperdiçado. Segundo a ABiogás, se todos os resíduos produzidos pela agropecuária e pelo saneamento tivessem aproveitamento energético, a geração de biogás poderia suprir 35% da demanda de energia elétrica e o biometano 70% do consumo de óleo diesel do Brasil. No entanto, é importante destacar que, dentro dos preceitos da Economia Circular, o ideal é a não geração de resíduos, ou mesmo que esse material não precise ser descartado em aterros.
Quer saber mais? Acesse aqui a íntegra do relatório “Panorama do Biogás no Brasil 2021” (CIBiogás)
O que é Economia Circular?
A Economia Circular propõe um novo olhar para nossa forma de produzir, consumir e descartar, a fim de otimizarmos os recursos do planeta e gerar cada vez menos resíduos. Ou seja, um modelo alternativo ao da Economia Linear - extrair, produzir, usar e descartar - que tem se provado cada vez mais insustentável ao longo da história. Na Economia Circular, a meta é manter os materiais por mais tempo em circulação por meio do reaproveitamento, até que nada vire lixo! Para que esse modelo se torne uma realidade, todos nós temos um papel a desempenhar. É um verdadeiro círculo colaborativo, que alimenta a si mesmo, e ajuda a regenerar o planeta e nossas relações.
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