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23/05/2024

Adaptação Climática e Refugiados Climáticos – problemáticas globais, discussões pontuais. Estamos preparados?

Por Isabela Bonatto, Embaixadora do Movimento Circular

“Nada como a força da natureza”, dizem os humanos diante de desastres naturais e/ou fenômenos climáticos. O Planeta Terra pode ser mesmo um maestro cruel, capaz de redefinir com uma fúria indomável o curso da vida de seus habitantes.

As trágicas inundações no Rio Grande do Sul trazem, com tristeza, um alerta preocupante de fenômenos que podem ocorrer em outras partes do Brasil e do mundo à medida que os impactos da mudança climática se intensificarem, em paralelo com o desenvolvimento urbano sem a devida preocupação ambiental.

As perguntas que surgem são muitas e importantes: Estamos preparados para eventos climáticos? Temos tecnologias disponíveis? O que fazer com os desalojados? Estamos falhando no planejamento urbano? Como o Estado deve atuar? Brasileiros seguem debatendo na Internet, incluindo a tentativa de achar culpados, o questionamento da atuação (ou não) de políticas e políticos e a relação desses eventos com as mudanças climáticas.

Há alguns anos, o termo adaptação climática parecia algo futurista, que não precisávamos pensar em breve. A geração atual, com um misto de negacionistas ou otimistas, muitas vezes mostra que não está acreditando no que está ocorrendo, que coisas assim simplesmente “acontecem” na Terra, que não podemos evitar.

Talvez eu possa concordar que certas coisas não temos como controlar, mas nós precisamos sim falar de adaptação climática, urgentemente. Falar sobre o que pode ser feito (e deveria ser feito), como o monitoramento de dados, melhoramento dos sistemas de alerta precoce, investimento em infraestrutura resistente ao clima, preservação de ecossistemas naturais (florestas, zonas úmidas e outros ecossistemas naturais que ajudam a regular o clima e reduzir o risco de desastres) e redução das emissões de gases de efeito estufa. Não tem mais como fugir disso, se quisermos um futuro não tão “desconfortável”.
 

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O Brasil figura entre os seis países com o maior número de pessoas deslocadas por conta de desastres naturais. Imagem: Agência Brasil

A tecnologia é uma ferramenta poderosa que pode ser usada para acelerar e ampliar os esforços de adaptação climática, mas não é uma solução mágica. Ela precisa ser usada em conjunto com outras medidas, como políticas públicas, mudanças nos comportamentos e investimento em infraestrutura social.

Para além da importância da parte técnica e científica relacionada à adaptação climática, temos também a questão social e humanitária. No mundo, 376 milhões de pessoas precisaram sair de suas casas à força por eventos ligados à emergência climática entre 2008 e 2022, de acordo com levantamento do Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos.

A Organização Internacional de Migrações (OIM) divulgou nesta terça-feira (14/05/2024) o relatório mais recente do Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos (IDMC), apontando que os deslocamentos provocados por eventos climáticos extremos e outros desastres naturais superaram aqueles causados por guerras, repressão e violência em 2023.

De acordo com o relatório, “desastres como os ciclones Freddy e Mocha e os incêndios florestais no Canadá, além do terremoto na Turquia e na Síria, resultaram no deslocamento interno de 26,4 milhões de pessoas em 2023. Esse número representa 56% do total de deslocamentos (46,9 milhões) e supera em mais de seis milhões aqueles provocados por conflitos e perseguição política”.

O Brasil figura entre os seis países com o maior número de pessoas deslocadas por conta de desastres naturais. Segundo a OIM, o país registrou 745 mil deslocamentos, atrás apenas da China (4,7 milhões), Filipinas (2,5 milhões), Somália (2 milhões), Bangladesh (1,7 milhão) e Mianmar (995 mil).

Como brasileira morando em um país africano, também devo dizer que sinto falta de conexão: Por mais globalizado que seja o mundo atual, problemas ambientais e climáticos de países na África e na Ásia são muitas vezes subnotificados para o resto do mundo.

Por vezes tenho a impressão de que cada região está tentando lidar com o seu próprio problema atual, correndo atrás do prejuízo, e discussões globais sobre as temáticas ainda estão engatinhando. Vale também citar que zonas rurais, populações mais desfavorecidas e pobres, países em desenvolvimento, pequenos estados insulares, ou cidades costeiras mais densamente povoadas possuem as populações mais vulneráveis e menor capacidade de resistir aos ataques da natureza e do clima, o que implica na injustiça climática, outro tema importante dentro desse contexto.
 

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Precisamos urgentemente ampliar as discussões globais e interconectar conhecimentos e experiências. Imagem: Freepik

As chuvas históricas no Rio Grande do Sul podem desencadear um dos maiores eventos de migração climática do Brasil na história recente. Comunidades inteiras precisarão ser realocadas para áreas mais seguras, com replanejamento da infraestrutura urbana e um pensamento crítico e restrito para novas ocupações.

As problemáticas e migrações climáticas também mostram outra face que as alterações do clima podem causar à segurança humana, como problemas relacionados à disponibilidade de recursos, à segurança e garantia alimentar e hídrica, o que pode agravar as tensões que alimentam a pobreza, a violência e os conflitos.

As consequências das alterações climáticas são globais e interligadas, por isso é crucial que os governos e as comunidades tomem medidas para se preparar para eventos climáticos extremos e para construir resiliência a longo prazo. Prevenir é melhor do que remediar, e infelizmente estamos pagando um preço alto por não cuidar da saúde do planeta.

Precisamos urgentemente ampliar as discussões globais e interconectar conhecimentos e experiências, expandir a redução do risco de desastre, apoiar a construção da paz, garantir a proteção dos Direitos Humanos e, sempre que possível, prevenir os deslocamentos emergenciais. Devemos centrar esforços na ação precoce, prevenção e preparação para enfrentar estas situações e minimizar os seus efeitos. Também é crucial investir em programas de apoio aos refugiados climáticos, fornecendo-lhes abrigo, alimento, água potável e acesso a serviços de saúde e educação.

O termo "refugiado climático" ainda não é definido legalmente na lei internacional, o que dificulta as discussões em relação à aplicação dos direitos e proteções que os refugiados tradicionais possuem. É preciso garantir que os refugiados climáticos tenham seus direitos humanos garantidos e que possam participar da construção de um futuro mais resiliente ao clima. A comunidade internacional precisa tomar medidas urgentes para abordar esse grupo, incluindo o desenvolvimento de políticas para protegê-los e ajudá-los a se adaptar aos impactos da mudança climática.

Eventos climáticos regionais e crises de refugiados climáticos devem servir como um lembrete urgente da necessidade de ação global para enfrentar as mudanças climáticas. Precisamos de uma ação integrada no desenvolvimento sustentável no domínio das migrações, do ambiente e das alterações climáticas.


Quem é Dra. Isabela da Cruz Bonatto:

Embaixadora do Movimento Circular. É doutora e mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina. Tem MBA em Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Paraná, bacharelado e licenciatura em Biologia (PUCPR e UTFPR). É consultora socioambiental, com ênfase na gestão de resíduos sólidos, promoção da Economia Circular e sustentabilidade corporativa. Tem experiência com setores governamentais, privados, comunitários, ONGs e instituições internacionais (UNEP). Mora no Quênia desde 2021, é membro diretivo da Fundação "Together for Better" e promove iniciativas de economia circular e empoderamento feminino.

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