23/07/2024
Economia Circular: uma resposta cultural e econômica para um mundo mais sustentável
Flávio de Miranda Ribeiro*
Quando pensamos em ações como combater o desperdício, aumentar a vida útil dos produtos, e realizar a reciclagem de materiais, a Economia Circular surge como uma resposta cultural e econômica essencial para um mundo mais sustentável. A abordagem já é adotada na Europa, por exemplo, onde ações são realizadas há alguns anos para tornar a economia do continente sustentável, circular e neutra em carbono até 2050.
Outro exemplo é o Japão, líder mundial na reciclagem de resíduos eletrônicos, que colabora com organizações brasileiras para a troca de experiências em Economia Circular. Atualmente, o Brasil caminha na mesma direção, com iniciativas e legislações que buscam implementar o modelo no país.
O exemplo mais recente disto é a Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC), instituída pelo Governo do Brasil em junho deste ano. A ENEC faz parte da Nova Indústria Brasil (NIB), uma política industrial lançada no início deste ano, e busca revolucionar o modelo econômico brasileiro, incentivando o uso eficiente dos recursos e a redução de resíduos. Ela se baseia em princípios como a minimização do consumo de materiais e energia, prolongamento da vida útil dos produtos, reutilização e reciclagem de materiais, além da promoção de modelos de negócios inovadores.
Esta é uma das recentes iniciativas do Governo Federal para incorporar a Economia Circular em programas e ações de governo - dentre as quais podemos destacar também o Plano de Transformação Ecológica e as recentes regulamentações da logística reversa na Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Os objetivos da ENEC são numerosos e abrangentes, e servirão como guia para propor projetos e ações concretas de sustentabilidade. Entre esses objetivos, estão a criação de indicadores comuns de circularidade, a promoção de padrões de produção e consumo sustentáveis, o desenvolvimento de mercados para produtos reutilizáveis, recicláveis e recondicionados, o “direito ao reparo”, as compras públicas sustentáveis e o fomento à inovação e à educação ambiental. Também é importante destacar a criação prevista do Fórum Nacional de Economia Circular, comitê formado por autoridades e sociedade civil para elaborar planos de ação e promover a conscientização sobre a Economia Circular e a transição justa.
A iniciativa vai totalmente de encontro a um dos princípios da sustentabilidade, que é a participação ampliada da sociedade para troca de experiências e formação de consciência coletiva. O ponto de atenção do projeto é a falta de definições discricionárias para criação de um regime tributário das atividades das cadeias circulares. Dada a sua importância, o tema precisará ser discutido e incluído em debates posteriores.
No entanto, a estratégia traz uma série de definições que devem, a partir de agora, pautar as ações tanto do governo quanto de empresas e do terceiro setor, favorecendo a transição para a economia circular. Por exemplo, pela primeira vez, temos uma definição oficial do que é a Economia Circular no Marco Legal brasileiro, alinhada às normas de economia circular da ISO, que acabaram de ser publicadas e em breve devem ser traduzidas ao português..
Além disso, a estratégia inclui os princípios da Economia Circular que sempre promovemos no Movimento Circular: eliminar resíduos, circular produtos e materiais, e regenerar a natureza. Isso permitirá que tanto pessoas físicas quanto jurídicas atuem de forma coordenada, seguindo as mesmas premissas. As diretrizes da estratégia também são fundamentais, e uma delas é a transição justa, que destaca a inclusão dos catadores, dos pequenos negócios e dos povos tradicionais, um tema que consideramos essencial para o Brasil.
Otimismo para o futuro
A criação de uma política pública de Economia Circular é motivo de otimismo. Ela é fundamental para regulamentar e incentivar uma forma mais inclusiva e ambientalmente responsável de produção e consumo. Isso porque os benefícios extrapolam a área econômica. Como alternativa ambientalmente responsável de produção, a economia circular também pode contribuir para mitigar diversos desafios ambientais, inclusive a crise climática.
Citando este aspecto das mudanças climáticas, atualmente a maioria dos países prioriza em seus compromissos climáticos nacionais (chamados de NDC na sigla em inglês) a substituição das fontes energéticas por matrizes renováveis e o aumento da eficiência energética. Porém, segundo a Fundação Ellen MacArthur, essas iniciativas atuam em apenas 55% das emissões globais. Os 45% restantes de emissões dos gases de efeito estufa derivam da forma como os produtos e alimentos são produzidos e consumidos, e é nessa fatia que a economia circular é altamente eficiente. Assim o que a Fundação, e muitas outras entidades, defende é que a economia circular seja a base de uma nova geração destes compromissos nacionais, em uma “segunda geração” de NDCs.
A Fundação avalia que o potencial de mitigação da economia circular é maior em cinco cadeias de produção: alimentos, cimento, alumínio, aço e plásticos. Para citar um exemplo, a entidade calcula que, na construção civil, a produção circular poderia reduzir cerca de 61% das emissões de gases do efeito estufa, especialmente nos ciclos de vida dos materiais.
O Brasil, que antes não possuía nenhuma medida de Economia Circular como estratégia nacional de combate ao aquecimento global, teve na questão ambiental uma motivação adicional para aderir à circularidade.
Além da ENEC, um outro passo significativo foi dado no mês de abril, no Brasil, com a aprovação da Política Nacional de Economia Circular (PL 1.874/2022) no Senado. O texto que seguiu para apreciação na Câmara dos Deputados contém princípios importantes, como a adoção de compras públicas sustentáveis, financiamento de pesquisa e inovação em processos circulares, direito dos consumidores de repararem seus produtos e conscientização da sociedade sobre o potencial de aumento na vida útil dos produtos.
Os principais objetivos são criar um ambiente regulatório propício, incentivar o desenvolvimento de tecnologias limpas, promover a educação e conscientização sobre práticas sustentáveis, e facilitar parcerias público-privadas para impulsionar a economia circular. A implementação requer coordenação entre diversos setores e níveis de governo, com a participação ativa da sociedade civil e do setor privado. As ações previstas incluem a revisão de normas e regulamentações, apoio à pesquisa e inovação tecnológica, e a promoção de práticas empresariais sustentáveis.
Por todo o potencial econômico e ambiental a explorar, é prioritário avançar na agenda de criação do marco legal de economia circular com a aprovação do PL 1.874/22, trazendo uma cobertura do tema para além da ENEC. Nesse sentido, o diálogo e a disseminação de práticas devem continuar acontecendo para envolver cada vez mais a sociedade civil, setor produtivo e autoridades, e para isso o Movimento Circular tem trabalhado e se colocado à disposição para o debate e atuação efetiva.
*Flávio de Miranda Ribeiro é embaixador do Movimento Circular, Consultor e Professor de Economia Circular, Logística Reversa e Regulação Ambiental Empresarial. Engenheiro Mecânico, especialista em Gestão e Tecnologias Ambientais e Análise Pluridisciplinar do Estado do Mundo. Mestre em Energia e Doutor em Ciências Ambientais. Conselheiro para Economia Circular do Pacto Global da ONU. Professor na Pós-Graduação em Direito Ambiental Internacional da Universidade Católica de Santos e na FIA Business School.
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