31/01/2024
Verão e Economia Circular: os desafios das cidades litorâneas na gestão de resíduos
Por Arlene Carvalho, do Movimento Circular
Com seus 7.637 quilômetros de linha de costa, o Brasil atrai anualmente uma crescente população em busca das suas mais de duas mil praias, impulsionada pelo clima tropical e a promessa de fugir do tumulto urbano. No entanto, esse encanto costeiro também traz desafios socioambientais, pois o aumento populacional, mesmo que temporário, tende a resultar em um acréscimo no volume de resíduos. E é aí que algumas cidades brasileiras litorâneas se destacam, não apenas pela beleza de suas praias, mas também pela capacidade em lidar com esse desafio, promovendo a Economia Circular e garantindo que esse crescimento populacional temporário não afete de forma negativa a natureza e as pessoas.
Uma gestão de resíduos eficaz é a chave para reduzir e, idealmente, eliminar nosso impacto no meio ambiente. A Organização das Nações Unidas (ONU) alerta: a cada ano, 2 bilhões de toneladas de resíduos sólidos são gerados e despejados nos oceanos. No entanto, alarmantes 33% desse volume não recebem tratamento adequado. Ou seja, 660 milhões de toneladas, uma quantidade equivalente a um caminhão de lixo sendo despejado no oceano a cada minuto.
Apesar desses dados, existem cidades que já estão agindo efetivamente na gestão de resíduos e que podem servir de referência para outras - afinal, o verão pode ser sazonal, mas a gestão de resíduos não deveria. Desse modo, uma cidade que se destaca no verão deve demonstrar ações contínuas ao longo do ano.
Segundo a ONU, 2 bilhões de toneladas de resíduos sólidos são gerados e despejados nos oceanos. Imagem: Freepik.
Para o coordenador pedagógico do Movimento Circular, Edson Grandisoli, a gestão de resíduos em cidades costeiras na alta temporada é mesmo um grande desafio. “As soluções de gestão passam obrigatoriamente pela criação de uma estrutura competente de coleta e destinação, o que pode envolver diferentes parcerias entre setor público e privado. Vale lembrar que o turista e os moradores também têm grande responsabilidade. Ninguém gosta de nadar ou caminhar em uma praia cheia de bitucas de cigarros, palitos de sorvete e copinhos de uso único”, afirma.
O relatório do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (Islu) 2022, formulado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selur) e pela PWC Brasil (empresa de auditoria e consultoria), traz uma lista com as cidades do Brasil acima de 250 mil habitantes que possuem melhor serviço de coleta seletiva. Nessa lista, dentre as 10 primeiras colocadas, sete são cidades litorâneas. São elas: Niterói e Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro; Vila Velha, no Espírito Santo; São Vicente, Praia Grande e Santos, em São Paulo; e Recife, em Pernambuco.
Cada habitante dessas cidades produz cerca de 388 quilos por ano. Todos os anos, elas se tornam um paraíso para mais de 50% dos brasileiros que preferem curtir as praias a outros destinos.
O Rio de Janeiro é uma das cidades litorâneas em que a coleta seletiva se destaca, de acordo com o Islu 2022. Imagem: Freepik.
As cidades litorâneas e suas iniciativas na gestão de resíduos
Com base nos dados do Islu 2022, identificamos as sete cidades litorâneas que mais se destacam pela sua gestão de resíduos. Agora, que tal conhecermos os diferenciais de cada uma dessas cidades? Quais as iniciativas em Economia Circular, coleta seletiva, conservação ambiental; e é claro, quais são as ações em época de veraneio? Confira!
Niterói, RJ
Em Niterói, no Rio de Janeiro, a gestão de resíduos vai além da reciclagem, destacando-se por iniciativas de Economia Circular, como a coleta seletiva em toda a cidade e a criação de um Ponto de Entrega Sustentável na Comunidade do Buraco do Boi, promovendo a troca de materiais recicláveis por uma moeda social para acesso a atividades culturais e educacionais. No contexto da coleta seletiva, a cidade é reconhecida pelo ISLU 2022 como uma das litorâneas com melhor serviço, implementando abordagens diversificadas, como coleta porta a porta, Pontos de Entrega Voluntária, programas em comunidades de baixa renda, escolas, condomínios e coleta seletiva única. A promoção da participação da comunidade local é priorizada em Niterói, com a CLIN mantendo uma equipe capacitada para realizar ações contínuas de educação e conscientização ambiental. Essas iniciativas, que incluem exposições e palestras sobre sustentabilidade e meio ambiente, visam incentivar os residentes a participar ativamente da coleta seletiva, contribuindo para uma gestão eficaz e sustentável dos resíduos na cidade.
Segundo o Islu, Niterói, no Rio de Janeiro, tem a melhor coleta seletiva do Brasil. Imagem: Freepik.
Rio de Janeiro, RJ
Na cidade do Rio de Janeiro, a Comlurb intensifica a limpeza nas praias no verão com o projeto Praia Limpa, utilizando mais equipes e tratores. Contêineres estratégicos, conscientização e distribuição de sacolas recicláveis são oferecidos. A cidade mantém rotinas de limpeza durante o ano e reforça para eventos noturnos. Na Economia Circular, a Comlurb valoriza os 7 Rs, transformando resíduos em produtos úteis. Destaque para a Unidade de Biometanização, gerando biogás e composto orgânico. Programas como o Selo Azul incentivam condomínios à coleta seletiva. O Rio é reconhecido pelo Islu 2022 na coleta seletiva nas praias, com ações e parcerias público-privadas. A Comlurb realiza palestras, distribui material informativo e cadastra condomínios no Selo Azul, aumentando a adesão à coleta seletiva.
Vila Velha, ES
Em Vila Velha, Espírito Santo, a gestão de resíduos durante o verão é abordada com estratégias específicas, como campanhas de educação ambiental, instalação de Pontos de Entregas Voluntárias e reforço no contingente de garis para limpeza costeira. Além da reciclagem, a cidade implementa iniciativas de Economia Circular, incluindo parcerias para recolhimento de pneus e resíduos eletrônicos. Programas como Cata-Móveis e parcerias com associações de catadores contribuem para a coleta seletiva, enquanto investimentos em educação ambiental abrangem setores comerciais e condomínios. A cidade, destacada pelo ISLU 2022, como uma das litorâneas com melhor coleta seletiva, está reformulando esse processo e finalizando um plano de resíduos sólidos. A ênfase na educação ambiental continua crucial, monitorando ecopontos e envolvendo a comunidade na conscientização sobre descarte adequado. Para promover a participação local na coleta seletiva, Vila Velha utiliza campanhas de divulgação, redes sociais e atividades de sensibilização, mantendo proximidade com síndicos e administradoras de condomínios. Essas práticas são adaptadas ao aumento populacional sazonal, com esforços contínuos de educação ambiental e participação em eventos ao longo do ano para garantir a eficácia e sustentabilidade do sistema de gestão de resíduos em todas as estações.
São vários caminhões de coleta seletiva em Vila Velha, Espírito Santo. Imagem: Divulgação.
São Vicente, SP
A Prefeitura de São Vicente, por meio da Secretaria de Meio Ambiente (Semam), implementa estratégias eficazes para enfrentar o aumento populacional no verão, envolvendo a atuação em regime de hora extra pela Secretaria de Serviços Públicos (Sesp) para serviços de limpeza urbana e a elaboração de um Plano de Contingência de Resíduos. Em relação à Economia Circular, a cidade adota diversas iniciativas, como manejo diferenciado de resíduos, fiscalização da logística reversa, combate ao lixo no mar e programas educacionais nas escolas, incluindo Ecopontos Municipais e o programa Cata Treco para resíduos volumosos. Na coleta seletiva, São Vicente estabelece parcerias com cooperativas de catadores, promove ações de conscientização, mutirões de limpeza e fiscalização, intensificando a comunicação com turistas. A cidade assegura a continuidade das práticas eficientes de gestão de resíduos ao longo do ano, envolvendo ações constantes de conscientização, mutirões, fiscalização intensificada e programas educacionais, visando a sustentabilidade e eficácia do sistema em todas as estações, incluindo projetos como o Salvamar e eventos no mês do meio ambiente.
Praia Grande, SP
Em Praia Grande/SP, durante o verão, a gestão de resíduos é intensificada com extensão de horários de coleta, equipes estratégicas, e ação nas praias, calçadões e ruas. Além da reciclagem, a cidade adota iniciativas de Economia Circular, como destinação correta do RCC, projetos de compostagem e cooperativas. A cidade destaca-se no Islu 2022 com 12 caminhões de coleta seletiva, ecopontos e cooperações com secretarias. A promoção da participação comunitária na coleta seletiva ocorre através de divulgação, benefícios sociais e programas educacionais. Para assegurar práticas eficientes ao longo do ano, há ações de conscientização, extensão de horários de coleta e medidas de fiscalização e acompanhamento.
Santos, SP
Santos, no litoral de São Paulo, enfrenta o aumento populacional temporário durante o verão com ações estratégicas na gestão de resíduos, buscando novas cooperativas e associações de catadores. Além disso, a cidade pretende lançar um edital para implementar o conceito de Economia Circular no setor público. Destaca-se a Ecofábrica Criativa, inaugurada em 2022, que utiliza insumos públicos para criar peças, promovendo a reutilização de materiais. Santos integra os ODS em suas ações administrativas, especialmente no Plano de Ação Climática (PACS). O reconhecimento de Santos no serviço de coleta seletiva é atribuído à Prodesan, que realiza a coleta porta-a-porta desde 1991. A cidade possui mais de 100 pontos de descarte para Logística Reversa e realiza educação ambiental pela SEMAM, incluindo equipes nos parques públicos. A SEMAM promove a participação da comunidade na coleta seletiva por meio de materiais educativos e realiza anualmente o Cadastro de Catadores. Santos adota ações integradas ao longo do ano para lidar com a sazonalidade, evitando procedimentos específicos para o aumento populacional no verão.
No Recife, a limpeza é intensificada no verão. Imagem: Prefeitura do Recife/Divulgação
Recife, PE
Recife, a capital de Pernambuco, enfrenta o aumento temporário da população durante o verão com medidas estratégicas implementadas pela Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb). Além das operações regulares ao longo do ano, a Emlurb intensifica suas ações durante o verão, com limpezas específicas na faixa de areia da praia, envolvendo um contingente de trabalhadores ajustado para lidar com o aumento no volume de resíduos. As atividades incluem varrição, limpeza manual e mecanizada do calçadão, demonstrando um compromisso contínuo com a gestão eficiente de resíduos em todas as estações. A cidade de Recife também se destaca em práticas de Economia Circular, indo além da reciclagem. A Unidade Socioambiental (UNSA) da Emlurb desempenha um papel fundamental, realizando trabalhos em comunidades e eventos festivos populares para conscientizar a população sobre a importância da redução, reutilização e reciclagem de materiais recicláveis. A cidade promove a participação ativa da comunidade por meio de programas educacionais, parcerias público-privadas e centrais de reciclagem em eventos de grande porte, evidenciando um comprometimento abrangente com os princípios dos 7 R's da Economia Circular.
Gostou das iniciativas? E na sua cidade, como é a gestão de resíduos? Tem coleta seletiva? Compartilha com a gente!
Sobre o Movimento Circular
Criado em 2020, o Movimento Circular é um ecossistema colaborativo que se empenha em incentivar a transição da economia linear para a circular. A ideia de que todo recurso pode ser reaproveitado e transformado é o mote da Economia Circular, conceito-base do movimento. O Movimento Circular é uma iniciativa aberta que promove espaços colaborativos com o objetivo de informar as pessoas e instituições de que um futuro sem lixo é possível a partir da educação e cultura, da adoção de novos comportamentos, da inclusão e do desenvolvimento de novos processos, produtos e atitudes.
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