
07/04/2025
Recicrença: a ilusão da reciclagem e seus impactos no Brasil
Por Gisela Antakly Martinez*
Antakly Public Affairs, parceiro do Movimento Circular
A língua inglesa tem uma característica interessante: a capacidade de combinar palavras para criar conceitos. Termos como wishcycling (o descarte equivocado de materiais na reciclagem, sem a certeza de que podem ser reaproveitados), mansplaining (quando um homem explica algo de maneira condescendente para uma mulher) e doomscrolling (o hábito de consumir notícias ruins compulsivamente) ilustram bem essa flexibilidade linguística. Essas novas palavras condensam ideias complexas em termos fáceis de entender e compartilhar.
Inspirados nesse modelo, podemos fazer um exercício semelhante em português. Se wishcycling expressa a ilusão da reciclagem, podemos criar um equivalente: recicrença — a crença de que todo material depositado na lixeira de recicláveis será efetivamente reciclado. Esse comportamento tem consequências diretas na forma como lidamos com resíduos e na efetividade da reciclagem.
De acordo com o "Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2024" da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA), a taxa de reciclagem no país atingiu 8% em 2023, com 6,7 milhões de toneladas de resíduos recicláveis, como plástico, vidro, metais e papelão, sendo processados. Desse total, os catadores informais foram responsáveis por aproximadamente dois terços dos materiais reciclados, enquanto a coleta seletiva municipal contribuiu com um terço.
A falta de conhecimento sobre quais materiais são recicláveis contribui para a prática da recicrença. Muitos consumidores desconhecem que determinados plásticos possuem alta reciclabilidade, enquanto outras embalagens, como as multicamadas ou metalizadas, apresentam desafios maiores nesse processo. Essa desinformação dificulta escolhas conscientes na hora da compra, impactando negativamente o ciclo de reciclagem.
Embora o plástico, por exemplo, seja frequentemente vilanizado, ele possui um potencial significativo de reciclabilidade. Segundo relatório do PICPlast - Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico da Associação Brasileira da Indústria do Plástico, ABIPLAST, o índice de reciclagem de plásticos no Brasil atingiu 20,6% em 2023. No entanto, essa porcentagem ainda é insuficiente diante do volume de resíduos plásticos gerados. A falta de informação leva consumidores a optarem por alternativas que nem sempre são mais sustentáveis ou recicláveis.
Quando passamos a conhecer a realidade da reciclagem e suas limitações envolvidas, tornamo-nos capazes de cobrar das marcas embalagens projetadas para funcionarem efetivamente em uma economia circular. Essa pressão por soluções práticas influencia decisões de negócio, incentivando a revisão de materiais, formatos e processos produtivos e criando alternativas que facilitem a circularidade. Por meio dessa dinâmica —consumidores atentos interagindo com empresas dispostas a atender demandas mais qualificadas— o mercado pode evoluir rumo a soluções realmente sustentáveis.
Investir em educação ambiental que esclareça quais materiais são recicláveis e como deve ser o descarte correto é, sem dúvida, um passo essencial. Mas a ampliação e melhoria dos sistemas de coleta seletiva e reciclagem são fundamentais. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010, estabelece diretrizes importantes para a gestão de resíduos no país, mas sua implementação plena ainda enfrenta desafios.
A participação ativa da sociedade é crucial na construção de políticas públicas eficazes. No último dia 19 de março, o Ministério do Desenvolvimento, Comércio, Indústria e Serviços - MDIC, encerrou uma consulta pública para a formulação do Plano Nacional de Economia Circular. Com o expressivo número de 1627 contribuições recebidas, a iniciativa deve orientar ações estratégicas na transição para um modelo econômico mais sustentável e inovador, tendo como um de seus eixos centrais o redesenho circular da produção.
A recicrença mostra como a desinformação afeta hábitos individuais e enfraquece demandas por infraestrutura e políticas públicas eficientes. Nos tornarmos mais informados e exigentes quanto à gestão de resíduos é uma questão de sobrevivência.
[ARTIGO ESPECIAL COM LÍDER DA CIRCULARIDADE]
*Gisela Antakly Martinez é proprietária da Antakly Public Affairs, parceira do Movimento Circular. É especialista em relações governamentais, proteção de reputação e gestão de crises. Atuou no Governo de São Paulo e em empresas de comunicação. É membro do board da Sigalei e integra as associações Mulheres em Relgov e Infra Women Brazil. Foi conselheira do IRELGOV.
Este texto foi traduzido automaticamente com o auxílio de inteligência artificial e revisado. Ainda assim, podem ocorrer pequenas diferenças em relação à versão original em português.